Amyr Klink, 190p.
Uma releitura incrível, porque tem que ser meio maluco de atravessar o Atlântico (África ao Brasil) remando. E pior foi a minha reação quando conheci o “Paraty” (o barco) no museu de São Francisco do Sul há anos atrás. Como ele coube lá dentro e lá permaneceu por 100 dias?!?! O barco é menor do que você pode imaginar!!!!
Não me recordava de muita coisa, por isso a releitura. Mas a primeira leitura ocorreu há quase 30 anos!!! Mas, me recordava dos capotamentos do barco (affff) e dos tubarões que passavam, sem muitos detalhes que me foram redescobertos e foi uma delícia revivê-los!
“Vales e montanhas de água em desesperada batalha, em louco movimento. Jamais imaginara algo parecido. Seria normal tudo aquilo? Quanto tempo resistiria àqueles choques? Como um bonequinho de tiro ao alvo, que não sabe quando será acertado, eu ficava esperando por ondas que ouvia mas não podia ver…. Senti o barco subir mais uma vez e, quando estava exatamente na crista da onda, alguma coisa soltou-se e despenquei no vazio. Algo de errado acontecia. Fui projetado contra o teto e aí ouvi o estrondo da arrebentação passando por cima. Mais uma vez o mundo estava de pernas para o ar…. os segundos passavam e nada acontecia desta vez…. pensei, então, em acionar a bomba de lastros. Mas não foi preciso. Mal tentei me virar para alcançar a alavanca da bomba, o barco endireitou. Que alívio!”
E eu lendo a passagem acima em pânico. Imagina passando por isso. Não consigo nem pensar. Affff…. de cabeça para baixo no meio do Atlântico, dentro de um barco minúsculo, feito João Bobo em meio a uma tormenta?!?! Tem gente que nasce para ser aventureiro!!! Admiro!!!
Entretanto, não só de mazelas a aventura é feita. Há muita companhia em sua navegação solitária. Companhias positivas como os peixes que o acompanharam e que ele reconhecia e até nomeou (Alcebíades) que eram um alerta quando ele tinha que entrar na água para limpar as cracas do fundo do barco e eles inconscientemente o avisavam da proximidade de tubarões; pássaros; os radio amadores que o acompanhavam; o sol e seus shows; baleias e seus filhotes, entre outros.
Mas aí o “cara” me diz “…confesso que sinto saudades daquela semana…. poucas vezes na minha vida fui tão feliz.” E que semana seria essa? Uma simples que ele enfrentou nesta travessia. Nela, sete dias se passaram sem que ele pudesse remar e por que? Por causa do tempo que não estava lá muito amistoso. Sete dias em que ele ficou trancado naquela cabine “imensa”, sacudido por ondas enormes, flutuando em meio à espuma revolta do mar. Fechado. Sem poder sair. Simplesmente esperando. Ouvindo ondas que vinham arrebentando de longe sem saber se o alcançariam, ou então sendo surpreendido por golpes de mar que surgiam do nada. Uma situação que ele menciona de aspecto tenebroso. E ele sente falta e diz que foi feliz?!?!?! Ops….. Amyr, você está confundindo a minha cabeça – rsrsrs – quem não é normal, eu ou você?!?!? Rsrssr…. eu fiquei lendo e me sentindo dentro de uma batedeira por uma semana. Afffff! E ele feliz?!?!? Cada louco com a sua mania e ideia de felicidade, não?!?!?
Exatamente por essas passagens e perspectivas que o livro é bom. Claro que a própria aventura faz com que a história seja muito, muito interessante. A explicação do sonhos, do projeto, de todos os preparativos, os envolvidos, os acasos para chegar ao projeto final e a própria saga. Todas as cenas bem interessantes!
“Passados dois meses de tantas histórias, comecei a pensar no sentido da solidão. Um estado interior que não depende da distância nem do isolamento, um vazio que invade as pessoas e que a simples companhia ou presença humana não podem preencher, solidão foi a única coisa que não senti, depois de partir. Nunca. Em momento algum. Estava, sim, atacado de uma voraz saudade. De tudo e de todos, de coisas e pessoas que há muito tempo não via. Mas a saudade às vezes faz bem ao coração. Valoriza os sentimentos, acende as esperanças e apaga as distâncias. Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudade, mas não estará só.”
Já li muitos livros do autor e sempre me encanta essa sua disposição para estar só. Confesso que tenho esse lado bem “ermitão” e entendo que por uma causa maior podemos abrir mão de muita coisa e entendo que pela minha própria sanidade eu preciso destes tempos sozinha e ele encontrou um modo em que reúne tudo que gosta e que lhe faz bem. Isso é admirável. Tanto a aceitação do próprio modo de ser como a busca para a realização de sonhos, afinal é tão mais fácil ficar na zona de conforto e só imaginando o que gostaríamos de fazer, mas não colocar a “mão na massa”. Falo por mim mesma. Tantos planos e nenhuma ação. Ele não. Ele planeja e concretiza. Muito bom! E mais, a concretização é através de tanta coisa/viagem/explorações interessantes. Tantas histórias na lembrança!!!! Parabéns!
“É engraçado como o bem-estar não depende do conforto, da tranquilidade ou de situações favoráveis, mas simples e unicamente da sensação de ir em frente.”
Gostei. Gostei de me encontrar com as baleias, os dourados, tanta água, as reflexões. Gostei de atravessar o Atlântico remando. Para mim foi um passeio! Obrigada por todo o esforço Amyr!!!
“Na quietude daquela noite, a última, ancorado no infinito sossego da Praia da Espera, sonhando com os olhos abertos e ouvindo outros barcos que também dormiam, descobri que a maior felicidade que existe é a silenciosa certeza de que vale a pena viver.”