Orhan Pamuk, 96p.
Um “livrinho” encontrado nas estantes da Biblioteca Municipal Monteiro Lobato de São Bernardo do Campo que foi escolhido pelo autor, Nobel, porque vocês já sabem, gosto da escrita de muitos dos laureados com o prêmio e o Pamuk, que eu já conhecia, está na lista do que gosto. Ele parece escrever longos romances (o que me desanima vez ou outra – rs) e me admirei deste ser um livro tão fininho. Na verdade, assim é pois, nele constam três discursos do autor:
- Cerimônia do Prêmio Nobel de literatura em 2007
- Cerimônia do Friedenspreis em Frankfurt em 2005
- Conferência Puterbaugh sobre literatura mundial
Tenho tantos marcadores nas páginas do livro que estou achando melhor transcrevê-lo aqui!
Na leitura do primeiro texto, uma ode a literatura, uma investigação do processo criativo dele, o fascínio da literatura e uma história pessoal que me levou ao que mais gosto quando leio e que é muito raro ocorrer: chorei. Que texto lindo! Só de conhecer este texto já queria adquirir um exemplar deste livro e mantê-lo nas minhas estantes, mas o preço está proibido para o meu bolso. Eu queria e ainda quero compartilhar o texto com mais dois amigos literários. Acho que eles também irão se emocionar!! Um texto curto, cerca de 30 páginas e haja marcadores!!!
No segundo texto há uma ótima visão do escritor x romance x literatura (e muitos marcadores também) e uma defesa bem interessante da cultura turca que eu estendi para as demais culturas subestimadas por aqueles que se julgam os melhores do mundo. Esse mundo piegas, bobo, chato, de valores pequenos!
No terceiro e último texto que o livro contém, ele fala do significado da literatura em sua vida. O texto tenta explicar o significado dela no cotidiano dele. Se eu sublinhasse o livro, ele estaria quase que totalmente marcado. Também descreve como sonha o livro e o transforma no que conhecemos, ou não. É um texto muito interessante!
Ao final, sabe aqueles livrinhos poderosos? Esse é mais um. Pequeno, curto e forte. Recheado de significados. Demorei mais do que o esperado para finalizá-lo, pois entrei de corpo, mente e alma em suas páginas. Do pouco que conheço de Pamuk, com essa ode a literatura em seus diferentes formatos (livros, escritores, leitores) ele me conquistou e mais dois dos seus livros que estão em minhas prateleiras subiram muitas casas na listinha infindável para que eu inicie sua leitura!
Espero que vocês tenham as mesmas sensações que eu tive ao ler este livro. Se assim o for, certeza que irão se divertir!
Para não permear o texto com o que marquei, vou colocar aqui, na sequência:
“O escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si, e o mundo que o faz ser quem é: quando falo de escrever, o que primeiro me vem à mente não é um romance, um poema ou a tradição literária, mas uma pessoa que fecha a porta, senta-se diante da mesa e, sozinha, volta-se para dentro; cercada pelas suas sombras, constrói um mundo novo com as palavras.”
“Escrever é transformar em palavras esse olhar para dentro, estudar o mundo para o qual a pessoa se transporta quando se recolhe em si mesma, com paciência, obstinação e alegria.”
“As pedras que usamos, nós os escritores, são as palavras. Quando as colhemos com as mãos – tentando intuir a maneira como cada uma se conecta com às outras, contemplando-as às vezes de longe, às vezes quase chegando a acariciá-las com os dedos e a ponta da caneta, sopesando-as, virando-as de um lado e de outro, ano após ano, sempre com paciência e esperança – , criamos novos mundos.”
“O segredo do escritor não é a inspiração – pois nunca fica claro de onde ela vem -, mas a sua teimosia, a sua paciência.”
“Para tornar-se escritor, paciência e empenho não bastam: a pessoa, antes, precisa sentir-se compelida a evitar multidões, as outras pessoas e os assuntos da vida ordinária de todo dia, recolhendo-se e ficando em silêncio. Ansiamos por paciência e esperança que nos permitam criar um universo profundo na escrita. Mas o desejo de recolhimento é o que nos impele à ação.”
“Acredito que a literatura seja o tesouro mais valioso que a humanidade acumulou em sua busca de compreender a si mesma.”
“O escritor que se recolhe e antes de mais nada empreende uma viagem para dentro de si mesmo haverá de descobrir ao longo dos anos a regra eterna da literatura: é preciso ter o talento de contar as próprias histórias como se fossem histórias dos outros, e contar as histórias dos outros como se fossem suas, porque é isso a literatura. Mas antes é preciso viajar pelas histórias e pelos livros dos outros.”
“O que é a felicidade? A felicidade era achar que eu vivia uma vida profunda naquele escritório solitário? Ou a felicidade seria levar uma vida confortável em sociedade, acreditando nas mesmas coisas que todo mundo, ou pelo menos agindo como se acreditasse?”
“Para mim, ser escritor é reconhecer as feridas secretas que carregamos, tão secretas que mal temos consciência delas, e explorá-las com paciência, conhecê-las melhor, iluminá-las, apoderar-se dessas dores e feridas e transformá-las em parte consciente do nosso espírito e da nossa literatura.”
“Escrevo porque tenho uma necessidade inata de escrever! Escrevo porque sou incapaz de fazer um trabalho normal, como as outras pessoas. Escrevo porque quero ler livros como os que eu escrevo. Escrevo porque sinto raiva de todos vocês, sinto raiva de todo mundo. Escrevo porque adoro passar o dia sentado à mesa escrevendo. Escrevo porque só consigo participar da vida real quando a modifico. Escrevo porque adoro o cheiro do papel, da caneta e da tinta. Escrevo porque acredito na literatura, na arte do romance, mais do que em qualquer outra coisa. Escrevo porque é um hábito, uma paixão. Escrevo porque tenho medo de ser esquecido, porque gosto da glória e do interesse que a literatura traz. Escrevo para ficar só. Talvez escreva porque tenho a esperança de entender por que eu sinto tanta, tanta raiva de todos vocês, tanta, tanta raiva de todo mundo. …. Escrevo porque tenho uma crença infantil na imortalidade das bibliotecas, e na maneira como meus livros são dispostos na prateleira. Escrevo porque é animador transformar todas as belezas e riquezas da vida em palavras. …. Escrevo porque desejo escapar do presságio de que existe um lugar para onde preciso ir mas ao qual – como num sonho – nunca chego. Escrevo porque jamais consegui ser feliz. Escrevo para ser feliz.”
“Uma semana depois de ter entrado no meu escritório e me deixado a sua maleta, meu pai voltou a me visitar; como sempre, me trouxe um tablete de chocolate (esquecera que eu tinha 48 anos de idade). Como sempre, conversamos e rimos….” – e eu chorei, recordando de tudo o que meu pai deixava prontinho quando ele sabia que eu passaria por lá: minhas frutas preferidas, cappuccino da marca que eu gosto, guloseimas….. quando ele se foi eu estava com 49 anos e sempre, sempre fui uma menininha para ele. Choro agora…. quanto amor envolvido, né?
“…. a escrita e a literatura estão intimamente ligadas a uma carência no centro da nossa vida, e aos nosso sentimentos de felicidade e de culpa.”
“Os mecanismos maravilhosos do romance nos permitem apresentar nossa história a toda a humanidade como se fosse a história de alguma outra pessoa.”
“Por trás de todo grande romance está um autor cujo maior prazer consiste em entrar em outra forma e dar-lhe vida – um autor cujo impulso mais forte e criativo é pôr à prova os limites da sua identidade.”
“… compartilhando a nossa vergonha secreta que poderemos nos libertar: eis o que me ensinou a arte do romance.”
“Quando um romancista começa a brincar com as regras que governam a sociedade, quando escava e encontra abaixo da superfície a geometria oculta da vida, quando explora esse mundo secreto como uma criança curiosa, impelido por emoções que nem consegue entender direito, é inevitável que acabe trazendo algum mal-estar para seus familiares, amigos, pares, concidadãos. Mas esse desconforto é feliz. Porque é através da leitura de romances, histórias e mitos que conseguimos entender as ideias que governam o mundo em que vivemos; é a ficção que nos dá acesso às verdades que a família, a escola e a sociedade mantêm veladas, ocultas; é a arte do romance que nos permite perguntar quem afinal realmente somos. Todos conhecemos a alegria da leitura de um romance: todos já experimentamos a emoção de enveredar pelo caminho que leva ao mundo de outra pessoa, ingressar naquele mundo de corpo e alma e sentir o desejo de mudá-lo à medida que vamos nos impregnando da cultura do herói…..”
“Os romances nunca são totalmente imaginários nem totalmente reais. Ler um romance é confrontar-se tanto com a imaginação do autor quanto com o mundo real cuja superfície arranhamos com uma curiosidade tão inquieta.”
“…. a grande literatura não se dirige à nossa capacidade de julgamento, e sim à nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.”
“É na leitura de romances que as sociedades modernas, as tribos e nações pensam mais profundamente acerca de si mesmas; é na leitura dos romances que conseguem definir quem são; assim, mesmo que só tenhamos pegado aquele romance na esperança de um pouco de diversão, algum relaxamento e uma fuga do tédio do dia-a-dia, ao lê-lo começamos, sem perceber, a conjurar a coletividade, a nação, a sociedade a que pertencemos.”
“… é que a imaginação – a imaginação do romancista – que dá ao mundo limitado da vida cotidiana a sua particularidade, a sua magia, a sua alma.”
“A vida só pode ser feliz se conseguirmos enquadrar esse estranho e intrigante produto em alguma moldura. Na maior parte das vezes, a nossa felicidade ou infelicidade não deriva da vida propriamente dita, mas do significado que lhe damos.”
“Para ser feliz, preciso da minha dose diária de literatura. E nisso não sou diferente do doente que precisa tomar uma colher de remédio por dia.”
“Para mim, literatura é um remédio.”
“A maior parte do que escrevo não consegue atender aos meus padrões de qualidade.”
“Para escrever bem, primeiro preciso estar extremamente entediado; para ficar extremamente entediado, preciso entrar na vida. É quando sou bombardeado por barulho, sentado num escritório cheio de telefones que tocam, cercado de amigos e parentes ao sol numa praia ou num enterro chuvoso – noutras palavras, no momento exato em que começo a sentir o pulso da cena que se desenvolve à minha volta – que de repente me sinto como se não estivesse mais ali, e sim assistindo a tudo de fora. E começo a sonhar acordado. …. uma voz dentro de mim vai surgir, dizendo-me para voltar para minha sala e me sentar diante da mesa.”
“Escrever um romance é estar aberto a esses desejos, anseios, ventos e inspirações, aos recessos mais obscuros da mente e aos seus momentos de névoa e silêncio.”
“Acima de tudo, um romance é uma cesta que carrega dentro de si um mundo sonhado que desejamos conservar vivo para sempre, e sempre à nossa disposição.”
“Sonhar um livro não é difícil, é uma coisa que faço sempre, assim como passo muito tempo imaginando ser outra pessoa. O difícil é ser o autor implícito do livro dos seus sonhos.”